Literatura

Memorial de Maria Moura
Literatura

Memorial de Maria Moura

Luciana Bessa Grande painel das relações afetivas, morais e sociais – Memorial de Maria Moura (1992) - é a obra com a qual Rachel de Queiroz, aos 82 anos de idade, se despede, em grande estilo, da escrita romanesca. É a obra mais extensa da autora (em torno de 600 páginas), com dois núcleos: principal, com Maria Moura e os primos Tonho e Irineu; secundário, com o padre José Maria (Beato Romano) e o casal Marialva/ Valentim e o filho Alexandre (Xandó). O enredo é contado pela voz de três narradores — discurso polifônico (várias vozes) — que quebra a linearidade do romance dando a ele mais dinamicidade e mais curiosidade ao leitor. Os capítulos são curtos se assemelhando aos folhetins do século XIX, sendo intitulados com os nomes das personagens centrais do enredo. A linguagem simp...
Os pratos aguardam
Literatura

Os pratos aguardam

Alexandre Lucas Cercado de livros e caçando palavras. A ponta dos dedos acariciava as páginas como quem queria tocar os lábios, sentir a natureza da carne, desvendar o mistério, descascar as palavras para sentir a nudez passada na língua. Os livros parecem que ganham saias, algumas justas, outras rodadas. Relaxa, não é sobre os livros, é sobre enigmas e as palavras que se conjugam. O doce que passa pela boca. A maciez da delicadeza. O sorriso que inunda os céus. Calmas e inquietas, as palavras molham os desejos, tocam fogo na sensatez, transpiram, atravessam os corpos distantes, mordem os lábios. A palavra veste o pecado e se apropria do fruto proibido. Queima de prazer. Tentação é a palavra despida nas entrelinhas dos limites. Vamos jogando as palavras como quem retira lentam...
As linhas de domingo
Literatura

As linhas de domingo

Alexandre Lucas As roseiras estão dançando na varanda.  O vento é pouco, mas suficiente para as folhas se movimentarem. Toca uma música espremida de dor, enquanto desce do outro lado da linha, talvez, as lembranças geladas de uma tarde quente. O homem sentado conta suas mentiras e bebe suas verdades.   Derrubo mais uma xícara com café. Sorriu, vendo a negra, quase 60 anos, erguendo um copo de cerveja, cantando, dançando e poupando tecidos. Suas pernas, compostas de veias expostas e de carne mole evidenciavam a sua vida sem filtros. As crianças brincam na calçada. A noite já quer se apresentar, o descanso é pouco. O domingo poderia ser mais longo, se fosse sempre feliz. O som é aumentado, como se a música fizesse um sinal de penitência para a segunda-feira não chegasse logo.    ...
Costurado na rede
Literatura

Costurado na rede

Alexandre Lucas Tenho medo do escuro.  Quando criança me costuraram dentro de uma rede, gritava, chorava e me faltava ar. Riam, como se fosse uma brincadeira, riam. Brincadeira era me abraçar ao tecido grosso, revirar o corpo e ver o chão, ou então, balançar alto, quase que fazendo da rede uma roda gigante.    Já não me costuram mais. Fico sufocado, temo o escuro e passo horas sozinho, talvez isso seja uma rede sendo costurada pelas minhas mãos. Queria mesmo era estar brincando com Manoel de Barros, o velho peralta. Chupar manga e pintar a cara de amarelo, depois fazer careta. Beijar loucamente a boca a desejada e ter alguns intervalos para recomeçar. Bater tambor e ver a alegria sambar. Chamar as crianças para pintar os setenta, porque o sete seria pouco.  Construir os “Parangolé...
Carta para o meu amor 
Cariri, Cultura, Literatura

Carta para o meu amor 

Alexandre Lucas*  Você não está nos meus primeiros planos, afinal a vida é vasta e cheia de cortinas. Outro dia, há algumas dezenas de anos,  via você encardido de ferrugem, poeira e suor, transitando entre os vagões e as rochas  de gipsita, de vez em quando soltava pipa e chutava o chão querendo acertar a bola. Aprendeu cedo brincar com o pé de ferro e o martelo, no desafio de não martelar a mão. Mexia na cola, no vazador, na faca e no esmeril, juntava pedaços de couro e borracha. Folheava as revistas de moda e se deliciava ao ver os desenhos rápidos e precisos dos estilistas. Sempre gostou da tesoura para repartir cores  e criar formas, cresceu vendo fazendas, de vez em quando ganhava algumas, fazenda naquela época era sinônimo de tecido. Conheceu o grude, era a co...
Oficina de Bonecas discute questão racial na comunidade do Gesso
Ações Formativas, Cariri, Cultura, Design, Literatura, Notícias, Política

Oficina de Bonecas discute questão racial na comunidade do Gesso

Foto: Projeto Bonecas Africanas: Estudando a História Afro-brasileira e Africana através da Arte Está ocorrendo, na sede do ponto de cultura Coletivo Camaradas, na comunidade do Gesso, no Crato, o projeto Bonecas Africanas: Estudando a História Afro-brasileira e Africana através da Arte. Os encontros, que tiveram início no dia 30 do último mês, acontecem toda quinta-feira, a partir das 14 horas. Com o intuito de estabelecer algumas interações existentes na cultura brasileira herdadas através do contato com o continente Africano, o projeto faz parte do programa de Extensão “Ciclos de Arte e Cultura”, da Urca. A construção manual das bonecas ocorre junto a imersão literária de autores negros, foco da oficina, que tem alcançado o público infantil-juvenil da Comunidade do Gesso. Os encon...
Panorama
Literatura

Panorama

Fabiano Santiago Lopes* A luz do sol e seu brilho, calma aparenteMas, minha alma inquieta, salta latenteEu me pergunto: o que fazer da minha vida?Conspiracão nesse mundo, parece ser; causaperdida, Aí me vem esse indiscansávelDescontentamento. Crianças são abusadas emvários lugares… Eu muito lamento, Adolescentes e jovens se fecham em seu confinamento.Não conseguem acompanhar esse brutal aceleramento.Fazem promessas que nunca vão cumprir, e aí ?Manipulados se enchem de lixo eEntretenimento uma geração infeliz, mesmocom tanta evoluçãoParece que estamos esperando sentados na borda de umvulcão. Prestes a regogitar e mostrar sua verdadeira intenção; Essa é a missão premeditada do eterno vilão.Fogo e enxofre, larva e fumaca, por onde passaCausando morte e destruição, que desgracaO que d...
Acredito
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Acredito

Emanuel Wilecy* Não consigo. Eu não aguento maisSofro, não consigo viver em pazPrincipalmente ser felizA menina que eu chamava de amorFoi em embora, me deixouOs amigos que eu tinha, todos me abandonaramA minha ansiedade piorouA minha cabeça tá a milAcho que para as pessoas não sou nadaO que está me curando é a poesia que escrevo, cada verso e palavraNo caminho que sigo, só sinto dorNão temo a morteA cada passo que dou, cada dor que sinto só me deixa mais forteAcredito no meu potencial, no grito do meu poema. * Estudante do 9° ano  do Colégio Municipal Pedro Felício Cavalcanti, (Crato/CE) Instagram
As facetas de Lenita Miranda
Literatura

As facetas de Lenita Miranda

Luciana Bessa Helena Miranda de Figueiredo, ou simplesmente Lenita, é uma dessas mulheres, cuja infância foi rodeada de tintas, pincéis e telas, além de ter contato com artistas do Grupo Santa Helena, formado por imigrantes ou filhos de imigrantes, de origem humilde, que se opuseram ao intelectualismo modernista e a pintura acadêmica, tal como era ensinada nas escolas de belas-artes. Se é verdade o dito popular - “Diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és” - Lenita, que em contato com as Artes, hoje, aos 96 anos de idade, tornou-se escritora musicista, pintora, professora de História da Arte (aposentada), incentivadora cultural e jornalista. Nascida em 13 de setembro de 1927, ela descobriu, nas Artes, sua forma de contribuir para uma sociedade leitora, sobretudo, em que as m...
Caio Fernando Abreu, o arauto dos excluídos
Literatura

Caio Fernando Abreu, o arauto dos excluídos

Shirley Pinheiro "não, não estou desesperada , não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca, nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída". (Os Sobreviventes, 1982) Não faz muito tempo, desde que me deparei com a escrita de Caio Fernando Abreu. Foi numa dessas madrugadas recorrentes, em que o sono deu lugar à melancolia e que nem uma música ou leitura parecia capaz ou suficiente para me tirar daquele estado de desinteresse. Mas como a poesia não desiste de mim, quando abri o Spotify, para tocar uma playlist qualquer, um podcast chamado poesia ao pé do ouvido se anunciou na tela do meu telefone. E, como quem não quer nada, abri aquele perfil e fui me deixando envolver pela interpretação da narradora, que, a cada episódio,...