Literatura

Esse frio que queima
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Esse frio que queima

Amelie Alves* Esse tal amor fervente, conhecido por poucos, mas desejados por muitos, infelizmente não atinge a todos. Já cheguei a experimentar o amor, mas ele queimava, ARDIA! mas na pior das hipóteses, era um amor tão frio que doía. Pior que amores não correspondidos, trabalhos mal sucedidos e muito mais amargo do que rancores muito bem guardados. Seu amor dói, machuca, e eu espero nunca mais revê-lo.  Tão mais angustiante de que se afogar e não ter uma mão pra lhe puxar, não sentir um resquício de ar em seu peito, você só deseja acordar desse pesadelo. E é assim que sua pessoa mostra a minha alma, o que seria um coração petrificado. Me refiro a sua identidade como "pessoa" porque eu diria, que nem mais uma alma lhe habita. Sobre a autora: Amelie Alv...
Bilhete para noites de solidão
Literatura

Bilhete para noites de solidão

Alexandre Lucas* Cercado de Oscar Niemeyer. Noite distante de casa, próximo de instantânea liberdade. Sento com a escritora, num quiosque qualquer, afinal Brasília se veste de formas desconcretas e também sem paletós.   A deputada negra, sapatão e comunista, do Rio Grande do Sul, estava ao lado, trocamos algumas palavras e uns abraços, estávamos no nosso território.   O músico e professor contava suas travessias do Brasil profundo, agora residia em Tocantins. A escritora era de São Paulo.  Desgustamos na mesa sonhos, cervejas e carne.  Lia a boca da escritora para compreender sua língua, enquanto nos abarrotávamos de literaturas e processos criativos.   Tateava entre as palavras o seu rosto e sua cabeça raspada. Gritava em silêncio a poes...
Coleciono arrependimentos
Literatura

Coleciono arrependimentos

Dina Melo* Faço coleção de arrependimentos, poderia colocá-los todos enfileirados, por ordem cronológica, tamanhos, cores, tipos, densidades. Penso agora em paredes onde poderia pendurá-los, emoldurados. Talvez uma galeria sem ordem nenhuma, já que estão todos emaranhados no tecido do meu corpo, uns dando vida aos outros. Seriam eles as obras de arte do meu talento reverso? Tenho arrependimentos que, a seu tempo, emitiram faíscas brandas, resultados de gestos e palavras soltas no cotidiano, dos quais me envergonhei, mas que foram jogados no porão das quinquilharias, abandonados para serem encobertos pelo pó da desimportância. Guardo também aqueles que vieram após ações que julguei erradas ou que, ainda que eu pensasse serem acertadas, resvalaram em consequências inesperadas ...
Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes
Literatura

Sobrevivi… Posso Contar, de Maria da Penha Maia Fernandes

Ludimilla Barreira* Maria da Penha Maia Fernandes. Qualquer palavra depois desse nome possivelmente será repetitiva e pouquíssimo agregadora aos fatos que o mundo já conhece. Pois é, o mundo. Logo que Maria da Penha Maia Fernandes empresta uma forma mais íntima do seu nome, Maria da Penha, à terceira lei mais moderna no combate à violência doméstica, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).   Pensando em como escrever essas linhas, dediquei-me a algumas leituras, principalmente ao livro Sobrevivi... Posso Contar, que ganhei com dedicatória da própria autora. Além disso, assisti e ouvi diversas entrevistas. Descobri que estudamos no mesmo colégio em Fortaleza, que na nossa época era intitulado escola para moças, o Colégio Juvenal de Carvalho. Ela, aluna dedicada,...
O acontecimento
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O acontecimento

Luciana Bessa* Em 2022, Annie Ernaux, foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura. Neste instante, fui tomada por uma sensação de alegria e de incredulidade. Confesso: até aquele momento não conhecia a escritora, tampouco sua obra. Mas, saber de que se tratava da primeira escritora francesa a ser premiada pela academia sueca em terras de Victor Hugo (1802-1885), Gustave Flaubert (1821-1880), Marcel Proust (1871-1922), Antoine de Saint Exúpery (1990-1944) é, para mim, um momento único.  Isso sem contar com os franceses que a antecederam contemplados com o Nobel:  Anatole France, 1921, Albert Camus, 1957 e Jean-Paul Sartre, 1964, (mesmo o autor de o Ser e o Nada ter recusando a recebê-lo). Agradeço ao universo por estar viva para registrar esse “acontecimento”, para faz...
Raiva
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Raiva

Dina Melo* A desconexão com nosso interior revela-se, quando sentimos que perdemos o tempo certo das coisas, sempre atrasadas, em falta, sem ritmo. Quando experienciamos uma raiva crônica.  Raiva crônica é aquela que não passa, que faz morada no nosso corpo, aninha-se nos esconderijos mais profundos, entrelaça-se em nosso sangue, em nossos ossos. Uma raiva persistente, que nos fere e está sempre à espreita para surgir repentina e violenta quando uma coisa qualquer nos desagrada, foge do nosso planejamento, contraria nossa lista fixa. Podemos sentir tamanha raiva quando a perda de um sonho ou um acontecimento indesejável muda de forma irremediável o rumo da nossa vida e nos faz andar por caminhos de todo diferentes daqueles traçados no auge das nossas esperanças. Mas antes ...
Beijo com a delicadeza do bordado de vó
Literatura

Beijo com a delicadeza do bordado de vó

Alexandre Lucas* Passarinho de barro cantado com água, foi presente do meu amor. Guardo junto a outras lembranças, hora e outra coloco água e sopro: a música sai.  É sobre delicadeza que queria navegar. O passarinho de barro está na estante: a delicadeza parece que permanece por lá também.  Tomo café quente neste calor, acrescento canela e olho para o passarinho de barro, ele nem canta nem pisca, fica paradinho na estante. O último beijo no meio da rua tinha a delicadeza do bordado de vó, tinha a esperança do volto já. O passarinho de barro continuava na estante e agora tenho teu beijo guardado por aqui. Abro um livro de olhos fechados, não é possível ler e imaginar não é o suficiente. Imagino o passarinho de barro voando, ele não voa. Tento conversas demoradas com o azu...
Cassandra Rios, a escritora maldita
Literatura

Cassandra Rios, a escritora maldita

Shirley Pinheiro* Sobreviver como uma pessoa LGBTQ+ no Brasil é uma luta diária. Tá aí a historiografia que não me deixa mentir. A perseguição de pessoas da comunidade na história do nosso país tem raízes profundas, influenciada por fatores religiosos, culturais e políticos que remontam ao período colonial. Desde o início da colonização portuguesa, o Brasil herdou leis e valores da Inquisição, que considerava atos homossexuais como crimes e pecados. No período imperial e início da República, atitudes e comportamentos considerados "escandalosos" ou contrários à moral pública eram usados para perseguir pessoas LGBTQ+ e, embora não houvesse uma legislação específica para punir a homossexualidade, havia um forte estigma social, e as autoridades frequentemente utilizavam leis sobre "atentado...
Bordados e alguns mosaicos
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Bordados e alguns mosaicos

Luciana Bessa* Publicado em 2016, Bordados e alguns mosaicos, editora Mondrongo, é uma obra com quarenta e seis poemas da escritora pernambucana, mas radicada em Itabuna, Bahia, Fátima Soriano. Para Aleilton Fonseca, escritor e ensaísta, a poesia de Fátima Soriano “é verbo que brota das vivências cotidianas”. Interessante ler isso, já que geralmente escuto pessoas falarem de sua dificuldade em ler poesia. Em tempos de modernidades líquidas, individualismo, excesso de informações e avanço das novas tecnologias, é necessário plantar poesia para colher, quem sabe, mais afetividade entre os homens. A leitura de Bordados e alguns mosaicos (2016) é importante para não nos esquecermos de quem somos e para não sermos engolidos pelo cotidiano. Poetas como Fátima Soriano nos mostram que ...
Crônica reflexiva
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Crônica reflexiva

Gracynha Rodrigues* Nascer... Nascemos aos poucos e todos os dias, isso nos permite contemplar o novo, a vida nos é concedida por deleite do mais puro elo humano. Ainda que pareça uma utopia, um brotar constante, exuberante e por vezes exaustiva, é está a vida um emaranhando de buscas. O ano era 1987, eu, você e milhares de pessoas nasciam ao redor do mundo, mas ele deixou-nos, Carlos Drummond de Andrade, provavelmente já tenha ouvindo falar dele pelos corredores da vida... se não, eis a oportunidade. Drummond se foi, mas deixou um legado de poemas, textos que acalentam o existir humano de cada ser. Palavras e versos que ecoam, eternizam- se como uma cor forte que insiste em permanecer lá..., assim são suas palavras vivas, atemporais que iluminam e perpassam gerações. O algo abstrato...