Literatura

As pulsões na Casa do Sentido Vermelho
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As pulsões na Casa do Sentido Vermelho

Luciana Bessa Algumas leituras são desafiadoras. É o caso da A Casa do Sentido Vermelho (2013), da escritora Jorgeana Braga, prêmio Aluísio de Azevedo no 34º Concurso Literário e Artístico da cidade natal da autora, São Luís do Maranhão. A obra começa com uma apresentação-pergunta do poeta Dyl Pires: “Qual o sentido do sensível em nós?”. Antes mesmo de continuar a leitura, silenciosamente busquei a resposta dentro de mim. Cedo me tornei amante das artes literárias, em especial, a literatura. Ela me salvou de um ambiente tóxico e pobre, material e emocionalmente. O sensível me forjou na mulher que me tornei hoje. Em uma sociedade individualista, capitalista marcada pelo cansaço e pela positividade tóxica, onde parte das pessoas vivem com a cabeça enterrada em seus celulares, ser sensí...
Sequestra-me
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Sequestra-me

Alexandre Lucas Ainda resta a noite para descobrirmos a dança. O café que marcava nossos encontros de manhã transformou-se no vinho da lua. Sequestra-me o tempo. Assopra as estrelas e embebe as palavras de perfume. Deixa que o blues nos vende os olhos. Dança com as luzes apagadas para sentir a delicadeza do vento e do calor. Traz a calmaria à meia-noite. Descansa teu corpo sobre as lembranças. Permite que o cheiro invada tua imaginação. Pela manhã, lembra-te da dança, dos passos improvisados, e atira flores contra os templos cinzentos até que desabem. Sobre o autor: Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.
Mundinho da segunda-feira
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Mundinho da segunda-feira

Alexandre Lucas Não existe nenhuma combinação. Toda segunda-feira, no início da tarde, Seu Mundinho chega. Passos lentos, carrega uma sacola com a feira da semana. Pede uma cerveja, senta na mesa reservada. Vai ao banheiro, abre a carteira e vê quanto ainda resta. Mundinho me acena, chama-me para a mesa. Pergunta o que quero beber; tomo da mesma cerveja. Percebo que a maior sede dele é beber olhando nos meus olhos, como quem quisesse devorar meus sorrisos e sentir meus dedos massageando os calos de suas mãos. Parece que só isso basta. Só sei que, há anos, Mundinho nunca falta às segundas-feiras. Imagino que uma segunda-feira sem ele teria cara de feriado. Mundinho sempre deixa um agrado. Já deixou bombons, brincos e sementes de jacarandá. Parece um menino apaixonado, bobo, de o...
Eu era menino
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Eu era menino

Micael Sousa Eu era menino, menino que jogava bolinha de gude. Sonhava não tão longe, imaginar a brincadeira de amanhã já era mais que suficiente. Eu era menino, com rajas de lama, pele queimada de sol e o cansaço de correr em volta do campinho de terra. Voltas e voltas em torno de mim mesmo, porque ali eu era eu, eu menino. Mas o tempo, o tempo é um algoz dos meninos. Ele rouba o direito do menino ser menino. Se eu soubesse disso, teria desconfiado dele desde pequenino, quem sabe assim ele largasse do meu pé descalço e livre, pé livre de menino. Mas não, o tempo fez o que sabe fazer de melhor. Sobre a autor: Graduado em Direito Pelo Centro Universitário Doutor Leão Sampaio. Fascinado pela escrita.
Viver é político
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Viver é político

Izabelly Oliveira Nos últimos anos, tenho refletido sobre a importância da consciência política, pois nossas ações ou omissões na hora de escolher nossos representantes determinam se enfrentaremos crises, como uma pandemia, com uma gestão eficiente que garanta vacinas, métodos e precauções, ou se sofreremos as consequências da má administração, resultando em milhares de mortes. Por isso, viver é, de fato, político. Nessa experiência do viver é político no nosso país, revela-se a beleza da democracia, que nos permite lutar por uma vida melhor, com menos desigualdades de classe, raça e gênero, por exemplo. Dessa forma, torna-se fundamental que os cidadãos se apropriem de conhecimentos básicos, especialmente a partir de disciplinas como História para compreender a importância da demo...
O Conto da Aia: uma distopia nem tão distópica
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O Conto da Aia: uma distopia nem tão distópica

Luciana Bessa A primeira vez que fui apresentada ao Conto da Aia (1985), da escritora canadense Margaret Atwood, foi no clube de leitura – Ciranda do Livro – que acontecia mensalmente na Nobel, em Juazeiro do Norte. Em 2020, a livraria fechou suas portas. Antes disso, a unidade do Crato já havia encerrado suas atividades. Dados da Associação Nacional das Livrarias (ANL) mostram que em 2014, o Brasil tinha 3095 livrarias no país; em 2021, eram 2200. Depois da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2024), pela primeira vez na história, o país tem mais não leitores do que leitores, é preciso rever esse último dado. São tantos os fatores que levam uma livraria a fechar, que vou deixar essa discussão para um outro momento e me concentrar na ficção de Atwood. A segunda vez que e...
Destino Promessa
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Destino Promessa

Alexandre Lucas Quebrou as garrafas de vinho para não se embriagar. Desfez o tratado da esperança e cuspiu no chão para esperar a próxima promessa. Fez buracos no chão procurando botijas, mas só encontrou o cansaço. Restavam a pizza e a despedida. A pimenta e o abraço tinham o gosto insosso da desilusão. O tarot faltava cartas, e o jogo não se completava. A cama tinha as lembranças das confidências que duraram meia-noite. Um filme de terror passava, e o gato miava querendo atenção. Os remédios guardados no bolso da mochila para tempos de guerra e desespero ficaram envelhecidos. Recebeu a última carta de elogios para amansar a despedida. Desfez a mala. Tirou a roupa, dançou pelado no meio da sala, tomou água. Derramou umas lágrimas na cara. — O ônibus está passando! — gritou ...
Janelas, flores, pregos e marretas
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Janelas, flores, pregos e marretas

Alexandre Lucas Pelas manhãs mais fubacentas, pendurava os olhos sob a janela para pescar flores e ler poemas escritos com pregos e marretas. Ancorado na janela, voava até as estrelas e se estacava no mar. Levantava o tapete do chão e via o mundo se mexendo; nada estava morto. Levava a janela para cada viagem. Colocava-a na parte mais íntima dos seus lugares: no quarto, no banheiro e na escola de samba dos seus pensamentos. Flores, pregos e marretas insistiam em aparecer nas suas janelas, como o dia e a noite sempre aparecem. Certo dia, bateram na sua janela e a chamaram para dançar. Dançou de olhos fechados, como quem sente o gosto do doce lentamente. A dança durou três minutos. Depois, o batedor de janelas sumiu. Na manhã seguinte, os olhos estavam pendurados, pescando ...
Rede de Bibliotecas do Cariri é lançada para fortalecer o acesso à leitura como direito humano na região
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Rede de Bibliotecas do Cariri é lançada para fortalecer o acesso à leitura como direito humano na região

Com 37 bibliotecas integrantes, a RBC será oficialmente lançada no dia 10 de outubro, no Crato, com o objetivo de ampliar e democratizar as ações de incentivo à leitura no Cariri cearense. Surge no Sul do Ceará um movimento em defesa do livro, da leitura e das bibliotecas. A Rede de Bibliotecas do Cariri (RBC), que será oficialmente lançada no próximo 10 de outubro, no auditório do Georpark Araripe, pela manhã. A Rede tem como fundamento a perspectiva da leitura como um direito humano essencial. A rede é formada por 37 bibliotecas de diferentes tipologias – públicas, comunitárias, universitárias e escolares – de várias cidades da região do Cariri. A origem da RBC está na articulação entre estes equipamentos culturais com o intuito de fortalecer as ações de apoio e incentivo à leitura...
Textura de teia de aranha
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Textura de teia de aranha

Alexandre Lucas Chá de canela, alecrim do campo, adoçado com mel. — Será que tenho roupa para tomar deste chá? — disse a contadora de histórias, bolando de rir. Enquanto isso, o menino descalço, suado de jogar bola e com a camisa no ombro, encheu o copo de chá, bebeu e quis mais. O chá era a única bebida da noite. Conversas trocadas aqui e acolá, uma poesia. Quanto mais se bebia, mais o gosto do mel aparecia — estava concentrado no fundo da garrafa. O chá era o aperitivo do encontro. Quando todos foram para suas casas, a contadora foi narrar histórias em terras de verdes canaviais. O menino descalço já tinha ido dormir sem levar os pés. O fogo estava aceso. Outra garrafa de chá temperava a noite, cheia de curiosidade e de medo. Os copos de barro acolhiam o chá. O corpo se...