Autor: Nordestinados a Ler

Xela
Literatura

Xela

Alexandre Lucas* Era mesmo pichadora. Uma subversiva. Uma clandestina sempre querendo ser vista. Se a expressão carne e osso vale para alguma coisa, isso faz parte do seu retrato-falado. Cabelos embolados, que por muito tempo não soube lidar. Da castanhola ao spray, tudo virava gritos nas paredes. Queria mesmo aparecer. Ser percebida, mesmo sem ser identificada. A magrela pichava tudo. Carimbava a cidade com se quisesse dizer que também existia. Inquieta, inventora, riscadora. Fazia dos muros um atestado de rebeldia e um pedido de socorro. Criminosa de um crime que era vítima. Andava pelas ruas sacolejando a bila do spray. Fazendo poesia sem verso e perdida de ritmo. Um dia subiu na torre da igreja, lugar estreito, alto, tinha medo de altura, mesmo assim o atrevimento sempre fo...
Ninguém vai poder, querer nos dizer como amar
Literatura

Ninguém vai poder, querer nos dizer como amar

Shirley Pinheiro "Eles não vão vencer Baby, nada há de ser em vão" Amar é um direito de todos! Mas para alguns é uma luta árdua e cotidiana, às vezes enfrentada com medo, com dor, com garra e sempre com orgulho. No dicionário, "orgulho" significa o "sentimento de prazer, de grande satisfação com o próprio valor, com a própria honra". Para uma parte da população, que é perseguida, ridicularizada e assassinada pelo simples fato de amar, celebrar o amor um dia, um mês ou a vida inteira é sim motivo de muito orgulho. A história do movimento LGBTQIAPN+ é torneada pelo silenciamento, marginalização e perseguição da comunidade. Ainda hoje há quem questione as razões pelas quais se celebra o dia/mês do orgulho LGBT e não há comemoração do "orgulho hétero". Pois bem, a resposta mais óbv...
Martelo quebrado
Literatura

Martelo quebrado

Alexandre Lucas* Acordei cedo, mas nem fiz a ginástica matinal, como é de costume. O corpo estava meio parado, a mente estava acelerada, mas o martelo estava batido.   Dormi sem calcinha e despertei árida de desejos, sem vontade alguma. Tenho muitos livros para ler e ainda sobra outros para escrever: uma coisa não impede a outra. O dia foi agitado, as costas parecem amassadas, sentei apenas uma vez para almoçar e foi rápido, nem tive tempo de mastigar.  Sentada. Resolvi tomar café para observar a rua, depois de desistir de outras vontades. Não tive fôlego. Enfim, sou a única chateada comigo, pelo menos hoje. A vendedora da padaria esboça cansaço. Verifica as unhas e vasculha com os olhos o chão.  Aguarda terminar o expediente.  O café esfriou. Já é tard...
A não valorização do professor dentro de sala de aula
Literatura

A não valorização do professor dentro de sala de aula

Letícia Isabelle Alexandre Filgueira Começo minhas palavras afirmando que a profissão que forma as outras profissões, é a de professor. Tudo começa aqui! Como se aprende se não há quem ensine? Essa pergunta nos ajuda a refletir sobre o valor que está sendo dado ao professor. Primeiramente como ser humano. Como os professores das redes públicas e privadas estão se sentindo em sala de aula? Estão sendo tratados como seres humanos que precisam de descanso, de respeito, de remuneração adequada... ou estão sendo tratados como robôs educadores, cuja única função é ensinar e da melhor forma possível, pois não precisam se preocupar com outras necessidades básicas do ser humano. Esse tratamento parece justo? Não!!!   Ser professor é estar sempre se aprimorando, ter espírito empreendedor, b...
Minha experiência em sala de aula
Literatura

Minha experiência em sala de aula

Letícia Isabelle Alexandre Filgueira Sala de aula sempre foi um ambiente desafiador, um ambiente de socialização de muitas pessoas diferentes, onde o professor deve ali exercer vários papéis: amigo, pai, mãe, irmão, psicólogo, etc. Mas, e, quando se estar em seis salas de aula com trinta e cinco alunos diferentes cada uma delas? Essa pergunta, para quem nunca esteve em sala de aula, assusta muito, né? Com certeza! Porque todas as realidades são difíceis, principalmente na educação. Na universidade a gente idealiza a escola como sendo uma instituição que possivelmente estará aberta a mudanças e sempre estará disponível para ouvir o professor, mas, na maioria das vezes, não é assim. Em muitas escolas, o professor ou é controlado para prestar seu trabalho seguindo ordens e sendo fiscali...
Viva o cinema brasileiro
Literatura

Viva o cinema brasileiro

Luciana Bessa Para além dos festejos juninos, o mês de junho tem uma data que passa despercebida para alguns de nós: o dia do cinema brasileiro, 19 de junho, em alusão ao ítalo-brasileiro, Afonso Segretto, que filmou, no ano de 1898, a Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Minha relação com a literatura brasileira sempre foi de amor à primeira vista. Já com o cinema, não foi bem assim. Influenciado pelas comédias italianas, o gênero das pornochanchadas, fez muito sucesso na década de 1970, mas confesso que narrativas com palavras de baixo calão, exposição do corpo feminino, temáticas sobre virgindade e conquistas amorosas, não me conquistaram. Que fique claro que não se trata de moralismo. Longe ainda de defender a proibição da pornochanchadas por acreditar que esse tipo g...
Acho que era amarelo
Literatura

Acho que era amarelo

     Alexandre Lucas* Chuveiro ligado. Já tinha tomado banho.  Estava no meu mundo reprisando o passado e o presente. A água escorria, não tinha pressa de sair dali, estava lavando um pouco os pensamentos. Meu corpo tinha acabado de ser possuído com força e delicadeza, ainda tinha pequenos tremores dentro de mim, ainda tremia de prazer e de pecado. Respirar. Tocava meus lábios como se quisesse ajustar a sintonia dos canais, inútil. Naquela noite, dormiria sozinha, o que não era novidade e nem desprazer, apenas uma constatação de longa data. Luzes acessas. Chuveiro desligado. Pronta para dormir. Antes tentaria rabiscar a feição da noite e as cenas particulares, alguns suspiros e algumas pressões nas pernas cruzadas. O sono chegava, a tentativa não teve muito sucesso, mas tente...
Vejo Música e Literatura em você: Chico Buarque
Literatura

Vejo Música e Literatura em você: Chico Buarque

Luciana Bessa Chico Buarque é um desses artistas que usa a palavra, musical e literária, para dizer o que lhe vai n’alma. Como músico é conhecido por uma discografia extensa e diversa, que aborda desde questões sociais, passando por temáticas amorosas e envolvendo temas existenciais; como escritor, é legitimado pelo público e premiado pela crítica especializada. Nascido Francisco Buarque de Hollanda, em 19 de junho de 1944, o quarto filho do sociólogo e historiador, Sérgio Buarque, e da pianista e pintora, Maria Amélia, desde pequeno colecionava recortes de seus artistas favoritos. A família de artistas intelectuais foi essencial para que Chico seguisse pelo caminho musical e literário. Na música “Paratodos”, é possível conhecer um pouco mais da família de Chico: “O meu pai era...
Nada é de graça
Literatura

Nada é de graça

Alexandre Lucas*  Trânsito gasguito, veloz e impaciente. Segunda-feira. A velha com cara de maracujá bom para suco estava parada no entremeio da calçada e do asfalto. Trêmula de idade.  Segurava em cada uma de suas mãos três quilos de açúcar. Precisava atravessar, seguir caminho.  Já estava atrasada. Acordei cedo, mas tinha meu mundo para ajeitar. Nem percebi se o café estava quente ou frio, engoli com um pedaço de pão em dois piscado de olhos. Passos largos, corrida contra mim mesma, tinha que chegar em algum canto, talvez numa repartição de encurtamento da idade.  Tive que parar. Podia seguir, mas resolvi desacelerar. Olhei para aquela senhorinha cheias de valas do tempo no rosto. Carregada de açúcar encolhendo o seu tamanho. Atravessar era o nosso caminho. S...
O sangue veio
Literatura

O sangue veio

Alexandre Lucas*   Ainda sangro todos os meses. Está escrito que foi castigo. Não me contento com isso. Não me contento com muita coisa e nem com pouca. Todo mundo tem um pouco de contestação. Sangrar é desconfortável, todo mês, escorre entre minhas pernas e molha minha mente de insatisfação. Esse sangue demonstra que estou viva. E a vida é isso: uma espécie de Yin Yang social. Não é linha reta, simetria, harmonia, paz, talvez seja uma busca constante e interminável disso. A vida é furação, talvez sangre por isso.  Sou furacão. Mentira que digo todos os dias, tem gente que acredita, eu mesma tento crê. Eu sangro. Choro dentro do banheiro, quando consigo engulo o choro, como escondo o sangue, mas eu vejo e não me acostumo com isso. Acho que sou uma mentirosa convicta dos meus sentimen...